A respiração é sempre a protagonista quando se fala de Canto e Técnica Vocal. Existe uma razão plausível para isso, é que esta deve ser a única fonte de energia e suporte da voz.
Acho importante perceber onde tudo se passa quando executámos a respiração diafragmática – intercostal. Logo, comecemos pelo diafragma.
O diafragma é um músculo na base do pulmão, parecido com um paraquedas. Quando inspiramos o diafragma é estendido e quando expiramos ele sobe.
Este músculo é extremamente importante pois assim que se eleva em direção aos pulmões conseguimos criar um fluxo de ar contínuo para fazer as cordas vocais vibrarem e produzir som.
O órgão respiratório é um mecanismo de suspensão daí a necessidade de uma boa postura e relaxamento dos músculos intervenientes.
Um dos mais poderosos grupos de músculos do aparelho respiratório para além do diafragma é o Sacrospinal. Consiste num conjunto de músculos ligados desde as costas do crânio à base da coluna.
Quando estes músculos são ativados pelo aumento do volume dos pulmões, todo o torso é suspenso e o arco intercostal alargar-se pelo diafragma.
A expansão no baixo abdómen resulta do movimento do diafragma.
Atado ao diafragma na parte central das costelas encontram-se os músculos intercostais.
A respiração diafragmática-intercostal consiste na ativação de todos estes músculos, o diafragma, sacrospinal e os intercostais.
Esta é a primeira parte de uma série de artigos sobre este tema tão importante para os Cantores, a respiração. No fundo este foi para dar a conhecer os músculos intervenientes na respiração diafragmática – intercostal.
A expiração é a responsável pela vibração das cordas vocais e daí a responsável pela produção do som.
O ato de respirar envolve vários órgãos e respirar bem está intimamente ligado a uma boa postura.
No Canto aprendemos a controlar a inspiração e expiração pois deve ser a única fonte de energia a ser utilizada para fazer as cordas vocais vibrarem.
A respiração usada no Canto pode ser denominada de várias formas, aqui vamos optar pela denominação respiração Diafragmática- Intercostal.
“Pavarotti emulated what he saw, and for the first time in his career, he began to use diaphragmatic breathing. When he did, he says, everything changed for him. He worried less that his voice would be strong on day and feeble the next. He felt he got a much greater level of consistency from his sound, and performing became much more pleasurable.”
A respiração diafragmática-intercostal consiste na inspiração pelo nariz, enchendo os pulmões desde a sua base, estendendo o diafragma e os músculos intercostais responsáveis pela expansão da caixa torácica (sente-se na parte inferior da caixa torácica).
Na expiração todos os músculos intercostais e o diafragma são responsáveis pela criação de pressão de ar que, na sua saída, fará vibrar as cordas vocais.
“A singer must be able to rely on his breath, just as he relies upon the solidity of the ground beneath his feet.”
Caruso, Enrico – Caruso and Tetrazzini on the Art of Singing. Printed in France by Amazon. Brétigny-sur-Orge, FR. ISBN9781511730747
A respiração que não devemos usar denominamos de Torácica, esta é um produto de uma má postura corporal, das vidas atarefadas, das horas que passamos sentados. Esta respiração envolve o uso de músculos do peito, é responsável por movimentos respiratórios curtos. Ineficiente para o Canto e fala, pois, a ação destes músculos não permite a criação de pressão de ar, essencial à vibração das cordas vocais.
Ter uma voz poderosa e expressiva é o sonho de todos os cantores. Considero que existem três ações essenciais para melhorar e manter a sua voz. Sendo elas o aquecimento vocal, o estudo e a prática da técnica vocal e a escolha de um repertório adequado ao seu tipo de voz e nível técnico.
Aquecimento Vocal
O aquecimento vocal tem como função exercitar todos os mecanismos utilizados no Canto. Se fizermos uma comparação com um atleta que antes de iniciar uma corrida alonga e prepara os músculos. Os cantores também devem preparar e acordar o seu instrumento.
Falar não serve de aquecimento para Cantar. No Canto tudo se intensifica, a respiração a colocação e a articulação. É necessária uma preparação de todo o mecanismo vocal.
“In singing the flow of the tone is unbroken between the words, but in speaking it is interrupted. In singing, tone is sustained and changed from one pitch to another by definitive intervals over a wide compass that includes notes not attempted in speech. In speaking tone is unstained, not defined in pitch is limited to a narrow compass, and the lengh of the tones is not governed by the measure of music.”
Como já vimos o apoio (respiração) é mais exigente no Canto, pois a ideia é suster as notas. As cordas vocais estão esticadas e vibrão com a pressão do ar, em tempos mais longos e alongam-se de forma mais dinâmica que na fala. No Canto executamos em méedia duas oitavas, enquanto que a voz falada utiliza uma gama bem mais limitada de sons.
“Singing along to the radio in the car on the way to lessons or performances does not generally constitute a sufficient warm-up, as most popular songs are limited in range. Attempting to sing more challenging songs as a warm-up, though, can lead to vocal strain.”
“I tried to find a quiet spot. The best place for me is the bathroom or a room without carpets that have some sort of natural reverb. That’s the best because you can hear it in your head. It just feels better, you don’t have to push it hard. I go from the lows to the highs move around a little hit just try to warm the voice up, do a couple of scales of my own discovery.”
Ray Alder – Fates Warning, a respeito do seu aquecimento vocal.
Técnica Vocal
Parece óbvio que se uma pessoa que pretende aprender a tocar piano deve procurar um professor de piano. Pois no Canto é igualmente importante estudar e aprender a técnica vocal.
A técnica vocal fornece aos vocalistas ferramentas essenciais ao autoconhecimento da voz e assim como ao seu desenvolvimento.
“No one can sing properly without first preparing for it, mentally and phyically, with all the organs concerned in the production of the voice.”
O conhecimento das técnicas e treino dos mecanismos envolvidos no Canto irá permitir usar em pleno o seu instrumento.
“You cannot learn technique through songs. I know many people think you can but it simply is not so. (…) The skills of singing…strong, aligned posture, coordination between ribs and abs, freedom from tension, strengh throughout the musuclature that affects the sound as it is being produced, easy facility of articulation, pitch accuracy, appealing sound, precise vowels and musicianship can all be taught and learned. Learning a song, however, isn’t going to automatically engage any of those things, …”
Não saber por onde começar na era da informação é humano. Ouvi ou li algures que a informação não é formação.
Tentar aprender sozinho técnica vocal sem orientação pode ser uma tarefa muito ingrata, pois pode adquirir ‘vícios’ dificeis de dominar numa fase posterior.
Deve-se procurar o conhecimento por todas as formas, com a orientação de um professor a tarefa fica bem mais fácil. Terá uma pessoa treinada a ouvir outras vozes e essencialmente a identificar o que está a fazer de incorreto. Este profissional irá ajudá-lo a libertar a sua voz.
“Singers frequently are impatient, lack of discipline, and expect miracles after a few lessons. Many ask for a few lessons to prepare for an audition or a singing part in a show: They are looking for a quick fix.”
Cantar repertório inadequado é uma das principais causas de lesões vocais. Dependendo do tipo de voz que tem deve cantar repertório adequado à sua tessitura (baixo, barítono, tenor, contralto, mezzo-soprano, soprano).
Cada voz tem características específicas. Na ópera vemos isso mesmo, cada papel é atribuído a um tipo de voz específico. Não se obriga um Tenor a cantar um papel determinado para um Barítono, mesmo que estes cantem notas coincidentes em ambas as tessituras. Existem outras características da voz muito importantes a ter em conta como o timbre, por exemplo. Não é uma questão técnica mas sim fisiológica.
Existe um pre-conceito que se o cantor não consegue cantar determinada música que simplesmente não é capaz de a cantar. Esta ideia prejudica gravemente os cantores, principalmente a sua auto-confiança. Se uma canção não é adquada a um tipo de voz simplesmente podemos adequa-la mudando a sua tonalidade e o cantor que antes era incapaz de cantá-la passa a cantá-la com facilidade e liberdade.
Para usar o seu instrumento sem limites, primeiro tem que perceber que instrumento tem (soprano, tenor, barítono, …). Depois com a prática diária de vocalizos (exercícios vocais), exercícios de relaxamento e respiração, irá aprender a ouvir a sua voz e a saber distinguir o certo do errado. É uma descoberta!
Na música ligeira podemos adaptar qualquer canção que deseje cantar, basta transpor, mudar a tonalidade e a canção fica ‘à sua medida’. No entanto, sem saber qual é o seu tipo de voz, sem saber o que consegue fazer com a sua voz e sem ter um conhecimento básico de formação musical, torna-se uma tarefa árdua.
Também existe a possibilidade de ainda não conseguir cantar aquela canção que escolheu, mesmo que o cantor da canção tenha o mesmo tipo de voz que o seu, e que a tonalidade esteja adequada à sua tessitura. Isso acontece porque ainda não adquiriu as ferramentas, ou aprendeu as técnicas necessárias à sua interpretação.
Falsete “Falsetto” como o nome indica é uma voz falsa. Então o que será considerado voz verdadeira?
Respondendo já à questão inicial. A voz verdadeira resulta da vibração das cordas vocais. Em oposição, o falsete resulta da contração da parte exterior das cordas vocais, contração das membranas mucosas (cordas falsas). Na imagem abaixo “ventricular fold“.
O falsete, muitas vezes referido como registo é muitas vezes confundido com o registo de cabeça.
Principais diferenças entre falsete e registo de cabeça / ou voz de cabeça:
Não se consegue aplicar a dinâmica como fortíssimo e pianíssimo no Falsete, pois usamos menos pressão de ar.
Não é possível realizar ligados “legato“ tanto ascendentes como descendentes sem que exista uma quebra (ausência de som). Isto faz sentido se pensarmos que, para o falsete acontecer temos de mudar de mecanismo, ativar as membranas mucosas.
Do falsete resulta uma voz com ar audível. A voz de cabeça acontece por causa da extensão total das cordas vocais. Este registo tem como características um som cheio, com mais harmónicos.
No excerto abaixo, o cantor Bruce Dickinson da banda Iron Maiden, fala do que sente quando está a entrar na voz de cabeça ou como faz para aceder ao registo de cabeça.
“It’s about relaxing the throat at the crucial moment when your throat would tighten up, and you say, ‘I can’t go any higher. I’ve got to go falsetto.’ It’s almost like loosening the gag reflex. You don’t clam up at crucial moment. At the moment, you have to really consciously allow the power of your diaphragm to take the air right through in to your nasal passages.”
Martin, Bill – Pro Secrets of Heavy Rock Singing: Hitting the Right Notes. Published in the UK by SMT, 2003. ISBN: 1-86074-437-0. p.21
No vídeo abaixo exemplifico a voz de cabeça e o falsete. Aqui pode perceber as diferenças já enumeradas neste artigo. Também possui exemplos de canções famosas com cantores a cantar em falsete e com voz de cabeça.
Aulas de canto e Guitarra, Channel. 2023. “O que é a voz verdadeira? Falsete Vs Voz de Cabeça”. Youtube, 3:18. https://www.youtube.com/watch?v=EushJvD7X6s&t=5s
O falsete deve ser utilizado como uma técnica vocal à qual acedemos por motivos estéticos e não em substituição do registo de cabeça /ou voz de cabeça, pois assim, em vez de uma ferramenta torna-se numa limitação.