Como estavamos a falar de tipos de vozes achei interessante falar de um pouco da história da voz e da sua evolução. Muitas vezes me perguntam os “Castrati existiram mesmo?”; “Castravam mesmo os miúdos para terem uma voz aguda?”
Para mim é um dos períodos mais negros da história da música, e sim, castravam mesmo os miúdos!!
“For over two hundred years in the musical capitals of Europe, it was unthinkable to do without the virtuosity of the omnipresent castratos: men who, in early youth, had been surgically robbed of their sexuality, and thus of their identity and emotional equilibrium, as well as any chance of leading a “normal” life, by those dedicated to creating musical instruments of unprecedented beauty out of mutilated boys.”
Sacrificium, álbum de Cecilia Bartoli
Nas peças criadas pelos compositores da época do barroco, agora são interpetadas pelos contratenores, ou por vozes femininas sopranos e altos que possuem uma tessitura e timbre parecido com a dos castratos da época apesar de muitos historiadores acharem que uma voz feminina não se pode comperar à belaza e virtuosismo dos castrati.
Nápoles era a capital da música e grande parte desta arte dos castrati se deve a um compositor, professor de canto e empresário Nicola Porpora (1686-1768). Porpora ficou famoso como professor de canto, entre os seus alunos os mais famosos e virtuosos castrati da época, Farinelli, Caffarelli, Salimbeni, Appiani e Porporino. Também foi um dos professores de composição de Johann Adolf Hasse e Joseph Haydn.
Na escola dos castrati “Scuola dei castrati” cultiva-se o virtuosismo com melismas prolongados, cadeias de coloraturas interminaveis, desafios respiratórios sobrehumanos, e extensão da tessitura excessional, sendo a era mais desafiante para o instrumento vocal.
Tudo começou com a proibição do Papa Clemente IX , que nehuma mulher deveria cantar nas igrejas nem aprender música. As vozes femininas também foram expulsas dos teatros barrocos, mas só nos domínios do Papa, no resto europa esta imposição não foi levada assim tanto a sério.
As vozes femininas só podem considerar um treino vocal sério assim que atingem a voz adulta, com os castratos era bem mais lucrativo o negócio para os pais e patronos musicais, pois o treino vocal começava antes da puberdade e aí a carreira poderia ser mais longa.
“Thousands flocked to hear and see these singing hybrids – part man, part woman, part child – who portrayed virile heroes on the operatic stage, their soprano or contralto voices weirdly at variance with their clothes and bearing. The sole surviving scratchy recording tells us little of the extraordinary effect of those voices on their audiences – thrilling, unlike any sound produced by the normal human voice.”
No entanto, os castrati apesar da glória e da sua fama em relação à sua voz eram considerados aberrações pela sociedade, muitas vezes apelidados de castrados, eunucos, capões, espadões.
No final do século XVII aumenta a procura destas vítimas musicais da fama, poder e glória.
” In the seventeenth century castratos are compelled to fight for their monopoly on high voices, but in the eighteeth the demand for superbly trained, versatile singers grows by leaps and bounds until as many as four thousand boys are castrated each year in Italy alone. “
Franz Haböck. Die Kastraten and ihre Geasngskunst, 1927
Os castratos desapareceram com a vinda do Romantismo, a era dos valores humanos condenava esta crueldade e sacrifício em nome da arte.