“Nós cantamos apenas vogais” já não sei ao certo de que quem ouvi isto, penso ter sido de um professor. Na altura abriu-se uma porta assim que tomei consciência de que só conseguimos suster as vogais, logo só cantámos vogais.
Podemos considerar que as consoantes no canto são barreiras articulatórias, barreiras à passagem do ar e do som.
As vogais são os sons que conseguimos manter por mais tempo. As consoantes são de execução rápida, não conseguimos prolongar o som da consoante.
Logo, no canto as vogais permitem suster as notas que estamos a dar. No fundo, o som produzido pela vibração das cordas vocais ao chegar à boca transforma-se na vogal que estamos a moldar.
“ Vowels are unabstructed and voiced: the vocal folds are vibrating, but there is nothing in the vocal tract interfering with the exit of the sound. Consonants are partially or fully obstructed, and may be voiced or unvoiced. For exemple, to make the sound “f” the bottom lip is touching the top teeth, allowing the airflow through under higher pressure (partially obstructed) but the vocal folds do not vibrate (unvoiced).”
This is a Voice by Jeremy Fisher & Gillyanne Kayes
Um bom exemplo das movimentações que ocorrem na boca quando moldamos uma vogal é a posição da língua, este músculo assume diferentes configurações de acordo com a vogal a moldar. Por exemplo, no (o)a língua posiciona-se nas regiões baixas da boca, no (e) posiciona-se nas regiões médias da boca e no (i) nas regiões altas da boca.
Devemos procurar assumir uma postura natural e relaxada na língua na produção de vogais, ela naturalmente irá com os vocalizos encontrar a posição ótima para cada vogal.
Alguns métodos defendem que esta deve ter a posição idêntica a uma concha ou colher, mas esta posição não deve ser forçada.
Existem alterações na articulação das palavras no canto ao longo da escala, ou seja, quando estamos a cantar a vogal (a) no registo grave não temos o mesmo molde que temos no registo agudo, ou seja, o espaço do (a) nos graves é mais reduzido do que o espaço do (a) nos agudos.
Alguns métodos defendem mesmo posturas (moldes) de articulação específicos para cada vogal como descrito abaixo.
Vogal (a): lábios ovalados, separar as arcadas dentárias, na zona grave, média e aguda aumentando o espaço dos graves para os agudos.
Vogal (e): na zona grave ligeiro sorriso; nos médios separar as arcadas dentárias levemente; nos agudos ovalar os lábios e separar as arcadas dentárias consideravelmente.
Vogal (i): na zona grave simular um sorriso; nos médios o sorriso tem menos expressão; nos agudos os lábios em forma de biquinho.
Vogal (o): nos graves os lábios projetados para a frente em forma de biquinho; nos médios suaviza-se a postura dos graves e as arcadas dentárias separam-se uma da outra levemente, nos agudos lábios ovalados e arcadas dentárias separadas.
Vogal (u): em todos os registos lábios projetados para a frente, a fazer biquinho, aumentando levemente o espaço dos graves para os agudos.
Como podemos observar na descrição da execução das vogais apresentada, nos agudos temos mais espaço na cavidade oral ao moldar as vogais.
“These toungue, lip and jaw positions are really only a guide. In reality, even within he same country there will be variations in vowel placement according to regional and socio-linguistic customs. Language is also a living and changing entity and therefore pronounciation Styles differ between eras.”
Estes moldes apresentados para cada vogal não podem ser rigidamente executados, como já foi referido. Cada pessoa possui características específicas e devemos respeitar a naturalidade do funcionamento dos músculos articulatórios. Podemos treiná-los, mas respeitando o seu funcionamento.
De ter em conta que, no canto lírico, por exemplo em comparação ao canto jazz, a postura da boca muda e isso também interfere com a sonoridade desejada. A maior parte dos métodos de técnica vocal para cantores foi criado para cantores líricos logo, esta análise da postura das vogais deve ser tida em conta com leveza.
Uma forma eficaz de treinar os diferentes moldes para as vogais em cada registo será através de vocalizos, pois ao cantar as notas ao longo da escala teremos de fazer estas adaptações a cada molde de forma a executar os diferentes registos da voz.
Vocalizos ou vocalizes são exercícios vocais, para treinar a voz. Normalmente são praticados com o auxílio do piano, onde se executam linhas melódicas com a voz. A prática dos vocalizos tem como objetivo adquirir a técnica necessária ao canto e desenvolver autoconhecimento do instrumento vocal.
As consoantes também sofrem alterações durante o canto, mas mais em velocidade de execução do que propriamente em espaço, a solução normalmente passa pela rápida execução da consoante de forma a pousar confortavelmente na vogal ou ditongo seguinte.
“Sing on the vowel sound and articulate the consonants quickly and cleanly. While certain styles may call for variations, do it by choice, not by inattention. Communication is the thing, so be as clear as possible.”
The Zen of singing by Karen Gallinger
A articulação é um conteúdo extenso que em muito pode favorecer o conforto e aperfeiçoamento da técnica vocal, por essa mesma razão os próximos artigos serão sobre este tema.