As dificuldades de articulação no Canto muitas vezes se prendem com o domínio da língua e a flexibilidade do queixo. Existem diferenças na forma como movemos estes músculos na fala e no canto.
Língua
A língua na fala move-se de forma curta e rápida e a cantar encontra-se pousada e relaxada na base da boca, executando rapidamente algumas consoantes e relaxando para as vogais logo de seguida.
“The tongue is veritable stumbling block in the path of the singer.”
Conseguir essa posição relaxada irá permitir ganhar espaço na zona da garganta. Nessa zona a língua às vezes transforma-se quase numa bola e tapa a saída do som “a hot potato tone”, anulando grande parte da ressonância natural.
Existem muitos exercícios para o domínio da língua. Muitos deles ligados à dicção isto irá permitir controlar este músculo e articular as palavras a cantar de uma forma muito mais relaxada e eficaz.
Queixo
Outro defeito comum dos cantores é não abrir a boca, ou abrir da forma errada. Passo a explicar, a forma correta de abrir a boca é ganhar espaço deixando o queixo descer, relaxando a língua em simultâneo e abrindo assim a garganta, no registo de cabeça.
“However, for a beginner it is as well to practice opening the mouth wide, being sure to lower the jaw at the back. Do this many times a day without emitting any sound merely to get the feeling of what an open throat is really like.”
Para sincronizar todos estes músculos, língua, queixo, garganta, palato mole, temos que fazer exercícios vocais com escalas. Assim, iremos perceber as mudanças necessárias para cada registo.
De notar que no registo de peito temos pouco espaço na boca. Assim que começamos a entrar na voz média ocorrem alterações nestes quatro elementos ( língua, queixo, garganta, palato mole), que se amplificam ainda mais na voz de cabeça. Não podemos manter a posição que temos na voz de peito durante toda a escala porque vamos arrastar o peso das notas graves para os registos mais leves 😉
“The pure head tone sounds small and feeble to the singer herself, and she would rather use the chest quality, but the head tone has the piercing, penetrating quality which makes it tell in a big hall, while the middle register, unless used in its right place, makes the voice muffled, heavy and lacking in vibrancy. Though to the singer the tone may seem immense, in reality it lacks resonance.”
Na fala também acontece este defeito do queixo preso, quando mais flexível mais fácil fica articular as palavras com uma gama de sons maior, enriquecendo a voz natural.
“I have notice great many actors and actresses in America who speak with jaws tightly closed, or at least closed to such an extend that only the smallest emission of breath is possible.”
Para ter mais facilidade a dominar o queixo e a língua penso em moldar o som. Esta palavra moldar elimina na minha cabeça todas as tensões inconscientes que penso ter que fazer com a palavra articular.
Moldar para mim é constituir uma postura confortável antes de o som chegar à boca. Este foi um dos pensamentos que permitiu-me evoluir muito no apoio e articulação no canto assim como na passagem dos registos.
A maior parte dos cantores que frequentam as minhas aulas não tem dificuldade em aprender a respiração diafragmática- intercostal, no entanto encontram sempre dificuldade em aplicar o ar à voz. Ou seja, transformar um fluxo de ar em som, utilizar eficazmente o ar para fazer as cordas vocais vibrarem.
Luisa Tetrazzini foi uma grande soprano Italiana e mestra da voz, ela conta uma história muito interessante sobre este assunto no livro “The art of Singing”.
“A girl came to see me once whose figure was really entirely out of proportion, the lower part of the lungs having been pressed out quite beyond even artistic lines.
“You see, madam,” she exclaimed, “I have studied breathing. Why, I have such a strong diaphragm I can move the piano with it! And she did go right up to my piano and, pushing on this strong diaphragm of hers, moved the piano a fraction of a inch from its place.
I was quite aghast. I had never met such an athletic singer. When I asked her to let me hear her voice, however, a tiny stream of contralto sound issued from those powerful lungs.
She had developed her breath capacity, but when she sang, she held her breath back. “
A impossibilidade de atacar notas agudas devido a um deficitário apoio respiratório leva a vozes fatigadas por compensar com músculo tudo aquilo que os músculos respiratórios não estão a fazer.
“Never for a moment sing without this apoggio, this breath prop. Its development and its constant use mean a restoration of sick or fatigued voices and the prolonging of all one’s vocal powers into what is wrongly called old age.”
É importante dedicar-se ao estudo da respiração com som e sem som. Com isto quero dizer que há exercícios para aumentar a consciência do movimento do diafragma e dos intercostais, assim como vocalizos mais direcionados para a utilização do ar para produzir som.
Um dos exercícios vocais mais utilizados e que considero extremamente eficaz para o efeito é a vibração de lábios (Brrrrr). Todos os meus alunos conhecem este exercício.
Este exercício obriga a um fluxo de ar constante para fazer vibrar os lábios e ao mesmo tempo está a produzir som, logo está a fazer as cordas vocais vibrarem com o ar.
Os cantores de todos os músicos são os que tem a reputação de ter mais dificuldade em respeitar o tempo. Normalmente isto tem haver com o tempo de inspiração e a gestão eficiente do ar.
“There are many singers who cannot or will not count the time properly. There are those who sing without method, who do not fit their breathing, which is really the regulator of vocal performance, to the right periods, and who consequently are never in time.
(…) The rest, above all, should be carefully observed in order to have sufficient opportunity to get a good breath and prepare for the next phrase.”
O tempo é a moldura, não podemos sair da moldura e dá para expressar tudo ali, se compreendermos onde estão os limites.
“The right accents in music depend very much on the exact time. Tone artists, while still making all their desired “effects” an apparent freedom of style and delivery, nevertheless do not ever lose sight of the time. Those who do are usually apt to be amateurs and are not to be imitated.”
Muitas vezes inspiramos no tempo forte, ou seja, o primeiro tempo e não é possível cantar pois o tempo forte já seria tempo de dar a nota.
Outra questão tem haver com o seu sentido rítmico. Faça o teste, coloque a sua música preferida e tente contar até 4 enfatizando o número 1.
Se não conseguir tente bater palmas de uma forma natural ao longo da música, isto irá obriga-lo/a a manter um ritmo estável pois terá a perceção que está fora do tempo. Depois tente cantar enquanto bate as palmas.
Um cantor deve estudar formação musical pois a voz é um instrumento. Devemos aprender os tipos de compassos que existem, o valor das figuras musicais e depois, fazer exercícios ritmicos entoados.
Uma vez um colega, professor de piano, disse-me que o elemento mais importante da música era o ritmo, a divisão do tempo. Só pensei nisto com mais profundidade nessa altura. Se usarmos a mesma melodia ou até harmonia e lhe atribuir-mos um ritmo diferente temos uma músia diferente.
Quando estou a estudar uma canção faço sempre o exercício de perceber onde devo inspirar para que não me falte ar para executar seja o que for.
No canto o ritmo está ligado à métrica das palavras, ou seja, normalmente faz sentido com a métrica natural das palavras.
Também é interessante para quem tem dificuldades com o ritmo testar diferentes esquemas de tempo de respiração numa canção, até perceber qual o mais eficaz e daí trabalhar a memória muscular.
Pode aperfeiçoar esta questão sempre que está a ouvir música tente focar a sua atenção num só instrumento, por exemplo no baixo, no teclado. Com isto está a treinar o seu ouvido para reconhecer as diferentes divisões de tempo realizadas pelos vários instrumentos.
Existem alguns ‘defeitos’, problemas que são comuns na voz. Defeitos entre aspas porque resultam da falta de conhecimento e má utilização da voz.
Estes problemas na voz são e foram estudados no sentido de serem ultrapassados e daí nasceu a técnica vocal.
Voz Branca
A “voz branca”, é considerado um defeito vocal, o que é?
É quando a voz de cabeçasai sem cor, porque não está devidamente apoiada e o mecanismo vocal não está a funcionar como deveria. É uma voz sem força, sem corpo. Com força não quero dizer volume, mas sim harmónicos.
Esta voz também resulta de uma pressão de ar deficitária e excesso de ar. A pressão do ar e a quantidade não são diretamente proporcionais. Já referi que nas notas graves temos muito ar e pouca pressão e nos agudos pouco ar e muita pressão.
“The (voce bianca) is a head voice without deep support and consequently without colour; hence its appellation. One can learn to avoid it practicing with the mouth closed and by taking care to breathe through the nose, which forces the respiration to descend to the abdomen.”
A voz de garganta resulta de não relaxar suficientemente esta zona. A garganta deve ser um local de passagem para o som. Estando tensa, irá anular uma grande parte do ‘trabalho’ realizado na laringe. Desta tensão resulta, uma articulação deficitária e dificuldade em colocar corretamente o som, ou seja, um som gritado!
“The (throaty) voice come from singing with the throat insufficiently opened, so that the breath does not pass easily through the nose and head cavities and, again, from not attacking the tone deeply enough.”
A voz nasal, é outro dos defeitos que se pode encontrar com frequência nos cantores e muito difícil de dominar. Segundo o autor abaixo isto acontece devido à memória do som. Existem línguas mais nasais como o francês, pode ser um hábito, esse tipo de produção de som.
“Once your voice becomes nasal, for whatever reason, it may get stuck in that nasal place. Why? One prominent reason is “sound memory”. Your brain remembers what you sound like every day, and it’s constantly reassessing what the qualities of “you” are. It hears the sounds you make and tries to duplicate them the next time you speak.”
Penso que é importante perceber como produzimos os sons nasais e depois comparar com os sons orais. A consciência física do que acontece quando produzimos um e outro som irá permitir-lhe com alguns exercícios criar novos hábitos de produção de som. Na fala e no canto irão existir sempre sons nasais, o importante é só produzir estes sons quando é a sua vez.
“Fortunately, you can use the same sound memory to help lead you out of the problem. Practicing new ways of making sounds not only teaches you how to do and it also tells the brain, repeatedly, this is how I sound. This is the voice I want, and when I get off track, this is the way to get back.”
A voz de ‘cabra‘ pode resultar da tentativa de fazer à força um vibrato. Digamos que o som fica ondulado por movimento dos articuladores e tensão na laringe. Este tipo de voz é alarmante para mim, porque toda a técnica vocal está comprometida.
A solução passa pelo repouso total da voz, aprender as técnicas de respiração para cantores sem som, cultivar muito bem isto para ter um pilar muito forte.
Os exercícios com som devem ser com boca fechada, sentindo a ressonância e relaxando todo o aparato vocal. Isto irá anular a necessidade de criar muito volume, um hábito recorrente nas vozes tremidas.
No entanto, os exercícios de boca fechada para cantores que tem tendência em fechar a garganta podem não ser benéficos.
“The bleat” or goat, a particular fault of French singers, proceeds from the habit of forcing the voice, which, when it is of small volume, cannot stand the consequent fatigue of the larynx. ”
Um dos autores do livro que referencio muitas vezes, chama a isto “The sound of gravel”, o som da gravilha. Parece que a voz quebra um pouco e fica rouca. Há pessoas que começam a frase com um som limpo e depois aparece esta caraterística.
Este som está ligado à não utilização de ar para fazer as cordas vocais vibrarem. Logo, sem essa energia vital, as cordas vocais e os músculos da laringe fazem todo o trabalho. Isto é bastante agressivo para as cordas vocais, causando infeções e ronquidão crónica.
Este defeito aparece mais na fala e quando a pessoa passa para o canto permanece principalmente no registo de peito e médio. A salvação é aprender a respirar!
“Many people are reluctant to breathe more. We have the sense of urgency about getting words out, making us press on instead of pausing to refuel. But there’s an acceptable middle ground, somewhere between panting and talking till we’re blue in the face and gasping for air.”
Esta voz é recorrente, nos vídeos de instrução de meditação. Percebo que a intensão é acalmar e ter uma voz que convida. Mas quando produzimos uma voz com muito ar, estamos a massacrar as cordas vocais e a laringe, da mesma forma que se estivéssemos a gritar.
Ao produzir este tipo de som está a evitar que as cordas vocais vibrem, se estendam, e consequentemente a impedir que as cartilagens e músculos da laringe façam o seu trabalho.
Recorrer a esta voz como recurso estilístico a cantar pode ser interessante, mas deve conseguir assim que quiser, sair deste som respirado.
“I’d like you to keep in mind that while you may find a breathy voice inviting, the lower or mystic who’s flirting with laryngitis is less than appealing, and laryngitis is definitely on the menu if you don’t find alternatives to this way of speaking. You think breathy is the only way to sound sexy, approachable, gentle, romantic? That’s just not the case. A healthy voice that has command of all the sound possibilities will eventually be more than enough to seduce anyone.”
Uma breve estória: uma altura interessei-me por praticar Yoga. Como estava a praticar com vídeos on-line, percebi uma semelhança na voz de todos os professores, uma voz sussurrada. As vozes eram tão sussurradas que tinha dificuldade em perceber as orientações. Como tal procurava outras aulas. Assim que ouvi uma voz com brilho e natural, comprei essas aulas porque entendia as direções enquanto fazia os movimentos, sem esforço para decifrar o que diziam.