A voz faz as alterações necessárias à execução de cada nota, sendo estas alterações suaves. No entanto, de um registo para o outro existe uma zona em que estas alterações são mais significativas, a isto chamamos áreas de passagem (passaggio).
Estas existem do registo grave para o médio e consequentemente do médio para o agudo. Também encontrámos as mesmas zonas de forma descendente.
Em suma, as áreas de passagem são zonas em que se torna difícil gerir o equilíbrio entre todos os mecanismos da voz.
“The study of the passaggio is necessary one in order to create free-throated singing. Most singers come to me with little understanding of the passaggio and they later actually find the largest resonance factor within the passaggio. Many singers have difficulty sustaining the passaggio range over a long period. A good example of this is the role of Cherubino in Mozart’s Le Nozze di Figaro.” Kristen Flagstad
Podemos suavizar estas áreas de várias formas, primeiro devemos pensar na escala musical como ela se apresenta num piano, na horizontal.
Todo o vocabulário que usámos nos leva a pensar na vertical, por exemplo quando dizemos subir e descer na escala, ou ascendente e descendente.
Este conceito não está errado, simplesmente vamos mudar a imagem que temos das notas e torná-las acessíveis. Na horizontal todas as notas estão ao nosso alcance.
Esta nova imagem mental da escala evita a subida e descida involuntária da laringe, assim como a tensão desnecessária de músculos que não intervém no canto. Evita também a deslocação para cima da cabeça que afeta não só a postura, mas também a respiração, e a performance dos músculos articulatórios.
A quantidade e pressão do ar certas
Outra forma de suavizar as zonas de passagem tem haver com a quantidade, e pressão do ar.
Como já foi referido, cada registo exige alterações nestes dois fatores que são indiretamente proporcionais.
Vamos tomar como exemplo a água, podemos ter muita água e pouca pressão e o inverso. Logo, com o ar passa-se o mesmo, nas notas graves temos muito ar e pouca pressão e as agudas muita pressão e pouca quantidade de ar.
Será fácil perceber este conceito se nos lembrarmos da posição das cordas vocais nos graves, estas estão recuadas e com pouca tensão logo é necessária uma grande quantidade de ar para as fazer vibrar. O inverso se passa com as notas agudas, as cordas vocais aqui estão muito esticadas, logo a mínima quantidade de ar as faz vibrar.
Uma boa gestão do ar (apoio) é essencial para suavizar estas passagens de registo, controlando a saída do ar os músculos da laringe fazem o seu trabalho de uma forma natural.
Através dos vocalizos (exercícios para a voz) podemos treinar estas mudanças, necessárias ao alcance da dinâmica e flexibilidade de todo o aparelho vocal.
“Whether the voice be soprano, mezzo or contralto, each note should be perfect of is kind, and the note of each register should partake sufficiently of the quality of the next register above or below it in order not to make the transition noticeable when the voice ascends or descends the scale. This blending of the registers is obtained by the intelligence of the singer in mixing the different tone qualities of the registers, using as aids the various formations of the lips, mouth and throat and the ever present apoggio without which no perfect scale can be sung.”
Este registo tem este nome porque, quando as cordas vocais se encontram na sua posição de maior tensão (mais esticadas para as notas agudas) o som viaja até à cavidade nasal onde se amplifica. Aí sentimos a vibração do som na máscara (cara) e no crânio.
Este registo é a parte mais aguda da nossa voz, um conjunto de notas com alta frequência que muitas vezes quando iniciamos o Canto nem sequer conhecemos ou temos ideia de como soa na nossa voz.
Para entrar de forma confortável neste registo devemos articular as palavras com muito espaço, dominando o queixo e a língua, por forma a posicionar o palato e permitir que o som viaje para a cavidade nasal e seios paranasais e se enriqueça lá.
Às vezes ficamos surpreendidos com a abertura da boca de alguns cantores. Repare que já no registo médio irá adequar o espaço da boca, e no registo de cabeça aumentar esse espaço precisamente para conseguir colocar corretamente e confortavelmente esta voz.
“(…) be sure that you master chest and middle voice before we spend much more time with head voice.”
Muitas vezes confunde-se voz de cabeça com falsete. Acredito que são coisas distintas até porque utilizamos um mecanismo diferente para cada uma destas vozes.
“Most people think that head voice and falsetto are the same thing, and the terms are used almost interchangeably. But these two places in the voice are entirely different. When you’re singing in head voice, you’re still allowing about a third of your vocal cords to vibrate. But falsetto is produced when so much air blows through the cords that the cords completely separate and only the outer periphery or edge of the vocal cords vibrates. Falsetto doesn’t use any normal inner-edge vibration at all.”
O registo de cabeça ou voz de cabeça resulta da extensão das cordas vocais e o falsete acontece com a vibração das cordas falsas (extremidade das cordas vocais) como pode perceber na figura 1 (Cordas vocais no falsete. A vibração acontece na extremidade (tracejado verde).
Nos últimos artigos escrevi sobre o registo de peito e registo médio. Foi consciente esta ordem. Porque se pensarmos nas cordas vocais como um fecho, este vai fechando até ao registo de cabeça. Isto acontece quando cantamos escalas ascendentes (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si, …). O inverso decorre quando cantamos escalas descendentes (dó, si, lá, sol, fá, mi, ré, dó).
Quando cantamos escalas nos exercicios vocais, vamos sempre da nota mais grave à nota mais aguda e depois descemos. Porque assim trabalhamos a flexibilidade das cordas vocais e cada vez somos mais precisos na afinação.
“In “head” voice, the suspensory muscles of the larynx at their highest activity.”
Considero o falsete uma técnica e não um registo, aciona-se quando pretendemos como recurso estético. O registo é consequência da extensão das cordas vocais.
“Many pop singers – think of the Bee Gees or Prince – have built their sound around falsetto, or used it to express a particular character in a song, (…)”
Existem várias diferenças entre falsete e registo de cabeça. Uma delas é não conseguirmos fazer a ligação entre os três registos. Se estamos a utilizar o falsete em vez da voz de cabeça, temos que inibir o mecanismo das cordas falsas para passar a utilizar as cordas verdadeiras. Isto faz com que exista um silêncio na passagem (uma quebra).
“Although referred to as the “false” vocal folds, the ventricular folds do not operate in the same way as “true” vocal folds. The false vocal folds are mostly fatty tissue and mucus glands, with a small slip of muscle at the anterior end (front). They are positioned slightly above the true vocal folds but not touching. (…) In normal phonation the false vocal folds need to be away from the mid-line so that they do not interfere with true vocal fold vibration.”
Fiz um vídeo sobre estas diferenças entre o falsete e a voz de cabeça, onde apresento alguns exemplos famosos da utilização do falsete e da voz de cabeça.
Este registo muitas vezes parece inacessível por várias razões. Primeiro por acharmos que é inacessível. Como já referi muitos de nós nunca acedemos a este registo, logo não temos memória de como soa.
Outra questão é anteciparmos o problema, como achamos que é inacessível, começamos logo a construir tensão em músculos que dificultam a execução de qualquer nota. Como os músculos da garganta, pescoço, língua, músculos suspensores da laringe.
“No matter how much you’d love to hit the highest highs instantly, take your time. If you feel any strain at all, no matter where you are in the exercises, stop. If the voices on the tape enter an area that’s beyond you today, stop and listen, then rejoin the exercise when it returns to the part of the range you own today. The notes you claim slowly, and without pressure or pain, are the ones that belong to you. There’s no rush. “
Para cantar confortavelmente em qualquer registo devemos estar muito relaxados, principalmente na garganta, pescoço, ombros, por forma a não acionar estes músculos suspensores e a restringir movimento natural das cartilagens que movem as cordas vocais.
“In attacking the note on the breath, particularly in the high notes, it is quite possible that at first the voice will not respond. For a long time merely an emission or breath or perhaps a little squeak on the high note is all that can be hoped for. If, however, this is continued, eventually the head voice will be joined to the breath, and a faint note will find utterance which with practice will developed until it becomes an easy and brilliant tone.”
Também temos tendência a exagerar no volume e montante de ar que utilizamos nestas notas. O som agudo tem mais frequência e traduzimos isso em energia que devemos utilizar para cantar, quando ouvimos esses sons.
“In the high register the head voice, or voice which vibrates in the head cavities, should be used chiefly. The middle register requires palatal resonance, and the first notes of the head register and the last ones of the middle require a judicious blending of both. The middle register can be dragged up to the high notes, but always at the cost first of the beauty of the voice and then of the voice itself, for no organ can stand being used wrongly for a long time.”
O som agudo necessita de mais pressão de ar, mas menos quantidade de ar. Se pensarmos as cordas vocais estão na posição mais esticada logo não é necessário muito ar para as fazer vibrar. Este equilíbrio só se encontra com o domínio da respiração.
Tudo isto se pratica com exercícios vocais. Eles vão permitir perceber quais as alterações que fisicamente sente em cada registo e como soa em cada registo. Principalmente demonstrar-lhe que este registo de cabeça é acessível e faz parte da sua voz.
A voz média como o nome indica é uma mistura da ressonância grave com a aguda, ou seja, as cordas vocais estão em outra posição para produzir esta gama de sons, vamos buscar harmónicos às cavidades de ressonância superiores e inferiores, mas grande parte do som é amplificado na boca.
“The middle voice is the bridge between the familiar low voice we speak with (called chest voice) and the voice nestled way above our speaking voice (called head voice). (…) Once you find it, you can sing without tiring your voice, relieve the pressure that builds in your throat and jaw, and as you’ll see, almost miraculously gain smooth access to the entire range of your voice.”
Alguns métodos de canto não dão muita enfase a esta voz (registo) pois pensava-se inicialmente neste registo como uma área de passagem. Na música erudita a ideia é unificar a voz sem se notar grandes contrastes.
“Mezza voce is just a concentration of the full voice, and it requires, after all, as much breath support. A soft note which is taken with the “head voice” without being supported by breath taken from diaphragm is a helpless sort of thing. It does not carry and is inaudible at any distance, whereas the soft note which does posses the deep breath support is penetrating, concentrated and most expressive.”
Na música ligeira almeja-se o contrário. O mais importante é criar contraste e intensidade logo se usarmos corretamente estes três registos, a voz grave, média e de cabeça, possuímos uma paleta muito mais diversificada para nos expressarmos.
“For speakers, developing middle voice will give access to a new palette of resonances. What does that mean to you? Think about the range of colors you hear in the voice of a great actor, or a memorable speaker like Martin Luther King.”
A dificuldade muitas vezes está em colocar esta voz corretamente para conseguir misturar as ressonâncias e obter um som rico. Muitos cantores começam precisamente nesta zona da voz a criar pressão na garganta para controlar o som.
“(…) And it’s fabulous training for another reason: to find it, you must let go of pressure and strain in your voice. Using the middle-voice exercises is a litmus test for speakers. When you are able to find middle and play with it, you can be assured that you are breathing in a way that will keep your voice strong and powerful, and that you have learned to release the gripping muscles that keep your voice trapped, earthbound, or unreliable.”
Penso que devemos primeiro perceber como soa este registo na nossa voz e trabalhar a articulação para conseguir moldar as palavras de forma a não perder a ressonância. Este registo é amplificado na sua maioria na boca, e esta está a mover-se. Logo, é necessário criar espaço para o som amplificar-se.
“So remember in a mezzo voce to see that the register is right and to use a double breath strength. I speak of the matter of register here for the benefit of those who must keep this constantly in mind. I myself have been blessed with what is called a naturally placed voice, and never had trouble with the mezza voce. The majority of Italian singers come to it easily.”
Se conseguirmos entrar neste registo ganhamos notas na nossa tessitura pois não antecipamos o registo de cabeça.
“A people sing from low to high, most of them concentrate on the extremes. How low you can go? How high can you fly? They work hard – sometimes for years – to expand their range, looking for ways to push the envelope. But very few of them have come to terms with the fact that a huge part of their voice is missing.”
Em suma o registo médio é uma parte essencial da nossa voz, é o meio termo entre o grave e o agudo. Aceder facilmente a este registo como um todo da voz significa para mim, dominar grande parte da técnica vocal.
Como já percebemos, as cordas vocais assumem uma posição e determinada tensão para produzir graves, médios e agudos. A quantidade e a velocidade do ar são distintas de registo para registo.
“The ordinary registers are the low, the middle, the high voice, or head voice, and sometimes the second high voice, which has been called the flagellant voice.”
Cada registo tem frequências e harmónicos específicos que devem ser amplificados na sua caixa de ressonância e a cavidade oral é responsável pela articulação desses sons, formando moldes específicos para as notas.
“Though the registers exist and the tones in middle, below and above are not produced in the same manner, the voice should be so equalized that the change in registers cannot be heard.”
Este artigo é sobre o Registo de Peito, zona grave da nossa voz. Basicamente porque as alterações são mínimas de nota para nota só o necessário para cantar de meio em meio tom. Daí os exercícios de canto estarem construídos com escalas cromáticas na sua maioria.
O Registo de Peito ou Voz de Peito tem um som profundo e rico. Muitas vezes caracterizamos os sons graves como sons escuros, quentes. Os sons graves amplificam-se nas cavidades de ressonância inferiores. Sente-se a vibração do som na zona superior do peito e mesmo na laringe.
“When you’re in chest voice, the vocal cords are supposed to be vibrating along their full length, like the long, thick strings of a piano. Chest voice – as you would guess – feels like it resonates in the top part of your chest. If you put your hand just below the seam where your neck meets the top of your chest and say, “I can speak in chest,” you should feel a slight vibration in your hand.”
Nos graves temos uma grande quantidade de ar exalado e pouca pressão. Expiramos de forma intensa e lenta o que exige grande capacidade respiratória, de relaxamento corporal e controlo para obter bom som. As cordas vocais estão na posição mais relaxada, logo é necessário muito ar para as fazer vibrar.
A sonoridade da voz de peito é a mais próxima da que usamos na fala. Logo usamos a mesma colocação que a fala.
Em termos de articulação também é semelhante à voz falada porque, não é necessário muito espaço na boca para obter um som rico de harmónicos graves. Pelo contrário, o espaço a mais pode até prejudicar essa riqueza de gama de sons e fazer com que coloquemos o som mais acima do que necessário.
Noto também que alguns alunos quando estão a fazer escalas descendentes ou a tentar obter um som mais escuro, mais grave, forçam a laringe para baixo, o que resulta num som pobre de harmónicos (mais abafado) quase um ‘falsete’ grave, para além de que é desconfortável para o cantor/a.
Os próximos dois artigos serão sobre o registo médio ou voz média e registo de cabeça ou voz de cabeça. Com isto não pretendo dividir a voz, mas sim alertar para as diferenças técnicas entre registos para poder usufruir de todo o potencial da sua voz.
O Timbre é em música um som com características específicas resultantes do instrumento que o produz e do seu ambiente. Assim podemos ter duas guitarras na mesma sala (ambiente) e estas podem estar a produzir a mesma nota, mas no entanto, o seu timbre é distinto pois possuem, por exemplo, madeiras, forma e tipo de cordas diferentes.
Na Voz isso ainda é mais evidente! O timbre na voz é como uma impressão digital. Todos temos uma voz única, não existe mais nenhuma igual à nossa.
No entanto, é possível classificar vozes com características idênticas apesar dos seus timbres serem diferentes e daí os nomes que já ouviu com certeza falar, Soprano, Tenor, …
Agora onde entra o termo Registo. Aliás faz sentido falar de registos no plural.
Os registos são conjuntos de notas com características comuns. As cordas vocais assumem uma posição e uma determinada tensão para produzir graves, médios e agudos.
A partir desta constatação percebemos que iremos ter três registos. O registo de peito ou voz de peito (graves), registo médio (médios) e registo de cabeça ou voz de cabeça (agudos).
Cada registo obriga a uma quantidade e pressão de ar distinta. Também, cada registo possui harmónicos específicos que devem ser amplificados na sua caixa de ressonância.
A cavidade oral é responsável pela articulação desses sons, formando moldes específicos para as notas.
Em suma, podemos encontrar estes três registos em todas as vozes. O que acontece frequentemente é que ainda não possuímos as ferramentas para os aceder com facilidade.
Falsete “Falsetto” como o nome indica é uma voz falsa. Então o que será considerado voz verdadeira?
Respondendo já à questão inicial. A voz verdadeira resulta da vibração das cordas vocais. Em oposição, o falsete resulta da contração da parte exterior das cordas vocais, contração das membranas mucosas (cordas falsas). Na imagem abaixo “ventricular fold“.
O falsete, muitas vezes referido como registo é muitas vezes confundido com o registo de cabeça.
Principais diferenças entre falsete e registo de cabeça / ou voz de cabeça:
Não se consegue aplicar a dinâmica como fortíssimo e pianíssimo no Falsete, pois usamos menos pressão de ar.
Não é possível realizar ligados “legato“ tanto ascendentes como descendentes sem que exista uma quebra (ausência de som). Isto faz sentido se pensarmos que, para o falsete acontecer temos de mudar de mecanismo, ativar as membranas mucosas.
Do falsete resulta uma voz com ar audível. A voz de cabeça acontece por causa da extensão total das cordas vocais. Este registo tem como características um som cheio, com mais harmónicos.
No excerto abaixo, o cantor Bruce Dickinson da banda Iron Maiden, fala do que sente quando está a entrar na voz de cabeça ou como faz para aceder ao registo de cabeça.
“It’s about relaxing the throat at the crucial moment when your throat would tighten up, and you say, ‘I can’t go any higher. I’ve got to go falsetto.’ It’s almost like loosening the gag reflex. You don’t clam up at crucial moment. At the moment, you have to really consciously allow the power of your diaphragm to take the air right through in to your nasal passages.”
Martin, Bill – Pro Secrets of Heavy Rock Singing: Hitting the Right Notes. Published in the UK by SMT, 2003. ISBN: 1-86074-437-0. p.21
No vídeo abaixo exemplifico a voz de cabeça e o falsete. Aqui pode perceber as diferenças já enumeradas neste artigo. Também possui exemplos de canções famosas com cantores a cantar em falsete e com voz de cabeça.
Aulas de canto e Guitarra, Channel. 2023. “O que é a voz verdadeira? Falsete Vs Voz de Cabeça”. Youtube, 3:18. https://www.youtube.com/watch?v=EushJvD7X6s&t=5s
O falsete deve ser utilizado como uma técnica vocal à qual acedemos por motivos estéticos e não em substituição do registo de cabeça /ou voz de cabeça, pois assim, em vez de uma ferramenta torna-se numa limitação.